sexta-feira, 7 de junho de 2013

Capoeira Luandaê Entrevista: Mestre Itapoan - 50 anos dedicados à Capoeira!


Raimundo Cesar Alves de Almeida, o Mestre Itapoan, iniciou sua trajetória na capoeira em 1964 na academia de Mestre Bimba. Contemporâneo de outros grandes representantes da capoeira regional como Mestre Camisa Roxa, Acordeon e Airton Onça, Mestre Itapoan também é cirurgião dentista e professor adjunto da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Em 1972, fundou a Ginga Associação de Capoeira e ao longo destes 50 anos de dedicação a capoeira, Mestre Itapoan publicou livros como “Bimba, o perfil do Mestre”, “A Bibliografia da Capoeira Regional, a “Saga do Mestre Bimba”.
Durante a última Clinica de Capoeira realizada na USP por Mestre Gladson, Mestre Itapoan, gentilmente concedeu uma breve entrevista a Capoeira Luandaê. (Por Marcos Oliveira)
 





CL: Como foi seu primeiro contato com a Capoeira?
Mestre Itapoan e Rico 1965 em Itapoã
Mestre Itapoan: Bom, meu pai trabalhava na Petrobras e por isso sempre nos mudávamos quando ele era transferido. Após sua morte, em 1963, nós voltamos pra Salvador e fomos morar em Itapoã. Naquela época, eu tinha um amigo que treinava judô e ele me convidou pra treinar com ele. Então, eu conversei com minha mãe e ela me deu o dinheiro para as aulas de Judô. Mas ao mesmo tempo, um primo meu apelidado Detetive, me chamou pra ver uma aula de Capoeira. Eu nunca tinha visto Capoeira e nem mesmo sabia o que era um berimbau. Eu não tinha a mínima ideia do que era. Mas eu resolvi ir ver a tal aula de Capoeira com ele. Ele me levou na academia de Mestre Bimba. Eu assisti a aula, gostei, peguei o dinheiro do judô e me matriculei.


CL: Quem são seus maiores ídolos na Capoeira?



Mestre Itapoan e Camisa Roxa
Mestre Itapoan: São muitos. Quando eu cheguei na academia de Mestre Bimba, lá já estavam o Acordeom, que já era formado, o Camisa Roxa, o Airton Onça e outros caras. Então, além de Mestre Bimba, eu me espelhei bastante neles. Também na Capoeira angola uma referência que eu tive foi Paulo dos Anjos. Ele morava em Itapoã também e por isso estava sempre na minha casa. Eu tinha outros amigos angoleiros também, mas Paulo dos Anjos foi o mais chegado.



CL: Como o Sr. vê a Capoeira de hoje?
Mestre Itapoan: A Capoeira cresceu tanto no mundo inteiro que é praticamente impossível estabelecer um parâmetro do que é a Capoeira em cada lugar. Há lugares onde pessoas ensinam a Capoeira de um jeito e outros onde ela é ensinada de forma totalmente diferente. É exatamente essa diversidade que faz a Capoeira ser tão fascinante.

CL: Como seria um capoeirista completo?
Mestre Itapoan: Como a Capoeira é uma atividade individual, eu nunca comparo capoeiristas. Uma coisa legal que eu sempre digo e inclusive botei em uma música minha é o seguinte: ‘Hoje o bom foi você, amanhã eu já não sei. O tempo é que vai dizer.’ Então, um capoeirista pode se destacar hoje mas amanhã é outro dia e um outro muito melhor pode aparecer.
Mestre João Grande e Mestre Itapoan em NY.
Agora para ser um bom capoeirista, o cara tem que entender a Capoeira, treinar é importante, mas tem que principalmente pesquisar a Capoeira, buscar informações com Mestres mais antigos e então passar adiante os fundamentos corretos evitando que deturpem a arte da Capoeira.



CL: Quais são suas expectativas para a Capoeira no futuro?
Eu acho que o processo de crescimento da Capoeira é irreversível. Antigamente, agente contava nos dedos os países onde se praticava Capoeira. 

"...as únicas instituições que o capoeirista acredita são os grupos criados e dirigidos por eles mesmos. "
  
Hoje é mais fácil contar onde não tem. Com o crescimento e organização dos grupos é possível chegar a um país e encontrar até 10 grupos diferentes com trabalhos muito bons. Então, eu penso que não tem mais volta. Pra você ver que a coisa é tão louca, aqui mesmo no Brasil, a Capoeira está tão inflamada que acontecem tantos eventos ao mesmo tempo que você não consegue acompanhar. As vezes você é obrigado a declinar convites de grandes amigos e parceiros porque são muitos os convites.
O caminho da Capoeira é esse e ela ainda tem muito a conquistar. Para isso é preciso que os capoeiristas continuem se organizando, se organizando sem instituições, pois as únicas instituições que o capoeirista acredita são os grupos criados e dirigidos por eles mesmos.

CL: Já que o Sr. falou de organização e instituições, o que Sr. pensa da possibilidade da Capoeira ser um dia um esporte olímpico?
Mestre Itapoan e Acordeon Campeonato Baiano de capoeira 1976
Mestre Itapoan: Eu sinceramente espero que a Capoeira nunca seja uma modalidade olímpica. Primeiro que não vai ser Capoeira. Vai ser qualquer coisa parecida com a Capoeira e sem essência nenhuma. Não é possível encaixá-la nas olimpíadas como ela é. A Capoeira é uma coisa muito maior. Um atleta não pode ser avaliado por meia dúzia de golpes. Eu estou lhe dizendo isso porque eu mesmo já disputei competições. Eu disputei os campeonatos de Mestre Bimba, fui campeão universitário, fui campeão Baiano, fui penta campeão baiano pela minha academia. Então, eu vivi tudo isso de perto e posso dizer com certeza que isso não acrescenta coisa nenhuma.

CL: O Sr. mencionou o Mestre Paulo dos Anjos que era um angoleiro e o Sr. vem da Capoeira regional de Mestre Bimba. Capoeira Reginal e Capoeira Angola, qual é seu ponto de vista?
Mestre Itapoan: Olha, se você me perguntar qual é a melhor, eu vou dizer que é a Regional (risos). Mas isso é uma coisa do tipo, você é Vasco eu sou Flamengo, qual é o melhor time, o seu é o seu e o meu é o meu! Então com Mestre e Bimba e Mestre Pastinha era assim. Pastinha dizia que a melhor era Capoeira Angola e Bimba dizia que era a Regional. Mas eu acho que se você praticar qualquer uma das duas com seriedade, você vai ter bom desempenho. Acho inclusive que uma completa a outra.
Lá na Bahia, existe muito essa divisão. Em outros estados, misturam as duas e em alguns casos até chamam essa mistura de Capoeira contemporânea, o que eu acho um erro porque contemporâneo significa tempo e não estilo.

De pé, Mestre Jose Gato, Camisa, Caiçara, Joao Pequeno, Canjiquinha. Agachados, Mestre John Grandão, de Teresina e Mestre Itapoan.
CL: Como era a convivência do Mestre Bimba com seus alunos?
Mestre Itapoan: Não era muito diferente. Hoje você tem alunos que você confia e alunos que você não gosta muito, mas tem que aturar porque o cara tá pagando e isso faz parte do processo. Com meu Mestre era a mesma coisa. 

"Uma coisa admirável sobre Mestre Bimba era o carisma e a facilidade com que ele fazia você, entender, amar e defender a Capoeira"

 Com os alunos que ele se dava bem ele brincava, tentava ser legal, mas os que ele não era muito chegado tinham a mesma aula. Mestre Bimba dava a mesma aula pra todos os alunos. Com isso ele não fazia diferença.
Mestre Bimba era uma pessoa primária, dura, ignorante e bruto, mas ao mesmo tempo uma pessoa muito amável e muito protetora. O Mestre sempre queria o bem do aluno dele.
Mestre Bimba e alunos na Formatura de Xaréu, em baixo no centro Cesar Itapoan
Pra você ter uma ideia, o Mestre Bimba naquela época já tinha 64 anos, ou seja, ele tinha a idade que eu tenho hoje e dava aula às 5 da manhã, no período da tarde e da noite. Eu nunca vi Mestre Bimba faltar em uma aula sequer. Ele realmente tratava seus compromissos com a Capoeira com muita seriedade.
Uma coisa admirável sobre Mestre Bimba era o carisma e a facilidade com que ele fazia você, entender, amar e defender a Capoeira. Se ele pedisse para um aluno pular de cabeça no chão, o aluno pulava. Hoje se eu disser pra um aluno pular de cabeça, ele certamente vai dizer: Pule você!
O que eu posso dizer é que a relação e influência que Mestre Bimba exercia em seus alunos era fantástica. CL

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